Calçadão Cultura e Meio Ambiente – Um relato de Luis Felipe Mayorga na FLIP – Feira Literária de Paraty – RJ

Calçadão Cultura e Meio Ambiente – Um relato de Luis Felipe Mayorga na FLIP – Feira Literária de Paraty – RJ

Um escritor capixaba na Festa Literária Internacional de Paraty -FLIP - inverno 2025

Edição – Mario Antônio Berardinelli Bernabé 

Acesse diariamente – jornalcalcadao.com.br

 

Qual a sua impressão sobre a Festa Literária Internacional de Paraty em 2025, do ponto de vista de um autor que também compôs o público consumidor?

Uma bagunça maravilhosa. Indígenas vendendo artesanato (comprei um monte), Hare Krishnas dançando e cantando pelas ruas, muitas famílias, muita gente esquisita, autores ambulantes vendendo suas obras, charretes cruzando as ruas indiferentes aos protestos barulhentos contra o uso dos cavalos, bonecos e um boi de papel machê (acho) dançando e atrapalhando o trânsito dos pedestres, uns poucos góticos meio deslocados e um maluco carregando um pinguim empalhado por toda parte. Também é um gigantesco desfile de moda; muitos participantes com cachecóis, suéteres e gola alta, aquela coisa toda que supostamente cria uma atmosfera intelectual. Bom, eu também desenterrei uma touca que normalmente o clima capixaba me impede de usar, tenho que admitir e rir disso.

Acredito que a decisão da FLIP retornar à estação do inverno teve a aprovação unânime do público.

Já as casas das editoras são um espetáculo de cultura e charme, eu considero esses empreendimentos como o coração do evento. Nelas, encontrei alguns livros que eu já namorava pela internet custando um valor bem menor. E nas casas Ópera e Caravana, participei de duas mesas sobre meus livros, me sentindo um autor de verdade. Bom, ao menos a audiência acreditava nisso. Meio que alheia àquilo tudo, acontecia a FLIP oficial, um tanto elitista, iluminada pelo vermelho intermitente que emanava das ambulâncias em prontidão. Sinceramente, não bateu uma vontade muito grande de encarar as filas para assistir as palestras VIP, apesar das presenças ilustres. Eu queria entregar “A Viagem do Pinguim” para a Marina Silva, mas não foi dessa vez. De qualquer maneira, a FLIP oficial é o motivo e o centro de gravidade de toda a fuzarca gostosa que a orbita, então não quero criticar. Precisamos ser gratos aos organizadores.

Apresentação do livro “A Viagem do Pinguim” na Casa Caravana durante a Festa Literária Internacional de Paraty (03/08/2025).

Qual foi a recepção do público com “A Viagem do Pinguim”? Como se deu essa interação? Como funciona uma “mesa”?

É uma sessão de diálogo que na verdade não tem mesa nenhuma, apenas as cadeiras. Em dado momento da programação da Casa Caravana, juntamente com outras cinco autoras, eu pude explicar do que se tratava “A Viagem do Pinguim” e a história por trás do livro. A casa estava lotada, muitas pessoas sentadas no chão, algumas filmaram a conversa toda. Suspeito que nada disso era por minha causa, embora o pinguim empalhado fosse um ótimo chamariz.

 

Contei como se estabeleceu minha relação com os pinguins desde a graduação, até a fundação do IPRAM e a luta para conseguirmos recursos para a reabilitação dessas aves. Expliquei que no início enfrentávamos a descrença de alguns biólogos que não viam sentido em reabilitar pinguins, do ponto de vista ecológico, mas que ainda que estivessem certos (e não concordamos que estivessem), tratar os pinguins sempre foi também uma importante questão de saúde pública. Porque na omissão dos órgãos ambientais e organizações da sociedade civil, as pessoas inevitavelmente carregavam os pinguins encalhados para suas residências, expondo-se a zoonoses.

Enfim, depois de tantos anos lutando para trazer credibilidade a essa atividade de reabilitar pinguins e produzindo textos técnicos voltados à comunidade acadêmica, senti que era necessário contar todos os detalhes desse fenômeno natural à população comum.

Daí expliquei toda a penúria deles em sua migração até o Brasil, em grande parte causada pelo ser humano em seus hábitos insustentáveis. Também divaguei sobre o fato da nossa civilização ser altamente especializada e dependente da tecnologia, e que na natureza as espécies altamente especializadas são as mais passíveis de extinção, e que a máxima “o futuro é ancestral” não tem apenas apelo estético, mas que de fato, após o inevitável colapso de nossa sociedade os únicos aptos a sobreviver e prosseguir serão os indígenas, quilombolas, pescadores artesanais e produtores rurais (não os da monocultura).

Obviamente, eu prejudiquei o clima de otimismo que imperava até então, quando estavam todos sorridentes e focados nos processos criativos dos outros autores.

Pensando no futuro, existe um potencial de iniciarmos nas escolas e no público infanto juvenil uma cultura ambiental contemporânea e oferta  atualizada tornar a juventude em formação curricular de ensino de formação acadêmica básica e extraordinária  sobre os erros das gerações anteriores? Em relação à natureza e à vida marinha? Essa é a sua busca literária, como ambientalista e profissional médico veterinário?

Em uma primeira camada consciente, não vejo os meus textos como ferramentas de transformação social. Quando me volto para a escrita, teoricamente estou apenas me afastando da rotina profissional em busca de uma distração, de um mergulho interior. Minha expectativa é descansar a mente com um hobby descompromissado. Eu pensava ter sucesso nessa fuga, mas descobri que não. Na prática, acabo revisitando o mesmo tema do impacto que o ser humano causa no ambiente natural em romances e contos. Tive essa revelação recebendo o retorno de alguns leitores em resenhas e avaliações. Tento ser reconhecido como um artista preocupado com a estética da escrita e com o sentimento transformado em literatura, mas inconscientemente acabo retornando à posição desagradável do profeta louco com a placa de “o fim está próximo” pendurada no pescoço.

De toda a minha produção literária, o único caso em que eu propositalmente quis ser panfletário foi com “A Viagem do Pinguim”. Esse eu realmente escrevi pensando em estimular a reflexão sobre o meio ambiente em crianças, jovens e adultos. E sim, ele poderia ser uma ferramenta em sala de aula, especialmente nas escolas que estão implantando o Currículo Azul. Os pinguins são ótimos professores.

Conteúdo do livro infantojuvenil “A Viagem do Pinguim” (2023).

E você também participou de uma mesa representando “Psicotrópicos de Capricórnio na Ilha da Trindade”. Quais temas ambientais podem ser trabalhados com base nesse livro, e qual o seu objetivo com ele?

Esse livro é permeado por interações entre o homem e o ambiente natural, porém mais como plano de fundo. O tema central dele são as relações humanas e o amadurecimento. E da mesma maneira, no diálogo que ocorreu na Casa Ópera eu consegui levar minha explanação para um campo mais psicológico. A mesa discutia sobre o quanto o escritor coloca de si na obra, sobre a responsabilidade do autor quando o público desenvolve uma interpretação totalmente contrária à intenção original e sobre a quem pertence a obra nesses casos. Muitas dúvidas para poucas respostas. Por fim, também pude aproveitar para manifestar em público a minha gratidão ao editor Moacir Calarga por ter acreditado no meu manuscrito e aceitado publicar esse livro não tão comercial. O público não foi tão numeroso, mas houve transmissão ao vivo na página da editora, o que foi bem legal para o público digital. E eu me senti mais artista do que “profissional do meio ambiente”, na ausência de cobrança do pinguim como assunto.

O autor discutindo sua obra na Casa Ópera durante a Festa Literária Internacional de Paraty (03/08/2025).

Quando falo da Ilha da Trindade não falo de coisas objetivas, mas sempre de sentimentos; de como eu era e como eu voltei. Quando se vai num evento como a FLIP, o objetivo é esse, afinal. Sentir-se um artista.

Quase a totalidade dos autores que tropeçam extasiados por aquelas ruas destruidoras de tornozelos também possuem uma profissão principal. Se eu fosse realmente um escritor, apenas um mero escritor, estaria no Auditório da Praça junto com os peixes grandes, é óbvio. Então meu objetivo na FLIP sempre foi viver um sonho lúcido. Agora que estou de volta ao lar, revisitando as memórias dos últimos dias, creio que tive sucesso nisso.

Livros mais recentes do escritor

A Viagem do Pinguim (2023), Caravana Grupo Editorial.

 

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