Calçadão Cultura e Meio Ambiente – Luis Felipe Mayorga – Um escritor capixaba em busca de reconhecimento na Flip
Um escritor capixaba na Flip - A Festa Literária Internacional de Paraty
Entrevista por Mario Antônio Berardinelli Bernabé
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Entrevista: Luis Felipe Mayorga
A Festa Literária Internacional de Paraty é conhecida mundialmente. Como foi ser convidado para um evento desse porte? Ou melhor, como se faz para ser convidado?
Em primeiro lugar, é importante esclarecer que existe um evento oficial da FLIP, do qual se compra ingressos para assistir às mesas temáticas no auditório fechado. Eu não estou nessa programação! Mas no exterior, ao redor e concomitantemente ao evento, ocorrem incontáveis interações entre autores independentes, editoras, empresas e todo tipo de instituição cultural. É um paraíso para qualquer leitor, que certamente encontrará os nichos de sua preferência. Também é uma ocasião excelente para sair um pouco do óbvio, explorar a diversidade e encontrar pequenos tesouros escondidos. Toda essa efervescência cultural espontânea também é a FLIP. A cidade fica decorada, o comércio ainda mais movimentado… E tradicionalmente, várias editoras alugam casas no centro histórico de Paraty para exposição de seus projetos e autores. É nesse contexto que estarei presente no evento; participando das programações da Casa Ópera e da Casa Caravana, editoras que publicaram livros meus. Estarei no meio da bagunça.
Mas você já foi nesse evento?
Sim! Já fui em uma FLIP, inadvertidamente. Em 2014 ou 2015, não tenho tanta certeza do ano, fui dar uma palestra sobre pinguins em um evento técnico-científico que acontecia simultaneamente à FLIP. Acho que a festa literária estava nos últimos dias, já esvaziando. Mas foi uma surpresa maravilhosa. Eu e minha namorada ficamos encantados com aquele clima festivo cheio de cultura num cenário de arquitetura colonial, bandeirinhas coloridas onipresentes e casas históricas abrigando instalações ou performances artísticas. Do alto de uma varanda, vendo aquilo tudo acontecendo, parecia um sonho. Era inverno, o clima seco. Anos depois, em lua de mel, retornamos à Paraty tentando reviver aquela lembrança boa. Mas no verão, então foi uma loucura. O clima estava úmido e muito quente. Chovia forte repentinamente, sem aviso. O fornecimento de eletricidade caía recorrentemente. Certa noite retornamos à hospedagem com água nas canelas e raios despencando sobre nós, imersos nas trevas do blecaute, tropeçando naqueles seixos gigantes das ruas. Em nosso quarto, goteiras irreparáveis sobre as camas e as malas. Bom, somos cabeças-duras e estamos voltando em 2025, dessa vez com dois meninos. Mas novamente no inverno, então podemos ser otimistas.
Quais são as suas expectativas? Vender muitos livros? Dar autógrafos?
Não vou pensando nisso. De maneira pragmática, minha expectativa é me posicionar como autor, conhecer pessoas interessantes, criar novas oportunidades de parceria, matar as saudades de Paraty, descobrir escondido nesse oceano de opções algum livro que será um clássico no futuro, gerar conteúdo para redes sociais (que é onde os meus livros se vendem) e passear com a família.
Sobre o que se tratam os seus livros? Sei que um deles é sobre os pinguins.
Sim, “A Viagem do Pinguim” (Caravana, 2023) faz o leitor viajar da Patagônia argentina até o Brasil sob o ponto de vista dos pinguins-de-magalhães. Nessa aventura serão conhecidos alguns desafios reais enfrentados por eles, como a pesca, a contaminação por óleo, a escassez de alimentos e o encalhe, que é a etapa final antes da morte. E então os pinguins são resgatados, reabilitados e devolvidos para uma segunda chance de viver no mar. Ainda que não compreendam que esse período de cativeiro é para seu benefício. A mesma espécie humana que os massacra também é capaz de lhes ajudar.

Eu estava pensando mesmo em tocar nesse assunto. Esse livro é infantojuvenil, certo? E algumas pessoas criticam o fato de que vários pinguins morrem ao longo da jornada. Qual é a sua visão sobre isso?
A morte é um aspecto natural do ciclo de todos nós. É um erro “proteger” as crianças desse conhecimento. Minha avó faleceu no começo desse ano, e meus filhos que nem são alfabetizados tiveram que encarar essa novidade conceitual, com a despedida de bisa. Tenho absoluta certeza de que o tema da morte alcança milhares de crianças em incontáveis famílias o tempo inteiro. É absurdo tentar ocultar isso nas obras infantis. Meu livro é voltado para faixas etárias a partir dos dez anos. Quando criança eu li “O sapo felizardo” e me marcou a cena das rãs morrendo na lagoa que secou, antes do sapo embarcar em sua viagem educativa pelo ciclo da água. São esses assuntos sérios que concedem peso às histórias e tornam as obras marcantes. Então é isso, os pinguins viajam muito, enfrentam perigos e muitos morrem por interferência do ser humano no ambiente marinho. É desse aprendizado do leitor que vem o reconhecimento da importância dos sobreviventes e do processo de reabilitação das aves. Senão, seria apenas uma história fofinha que não ensinou nada importante para as crianças.
E o seu outro livro se passa na Ilha da Trindade, onde você já esteve a trabalho, pesquisando as tartarugas marinhas. Como se faz para ir à Ilha da Trindade? Existe uma fila? Onde a gente se inscreve? E qual é a sensação de revisitá-la por escrito?
Fui como estagiário voluntário a serviço do Projeto Tamar. Mas a história é a seguinte: fiz um curso de Observadores de Bordo com vários estudantes de biologia e oceanografia. Provavelmente eu era o único estudante de veterinária. Todos os que fizeram esse curso entraram em uma lista de comunicações por e-mail, para quando surgissem oportunidades de acompanhar algum barco de pesca e registrar espécies não-alvo capturadas acidentalmente. Tempos depois, em certa ocasião, o Tamar sofreu um desfalque de última hora na dupla que embarcaria para a Ilha da Trindade registrar a atividade reprodutiva das tartarugas, o que chamam de “carebar”. Eles não conseguiam encontrar alguém apto e disposto a largar seus afazeres dessa maneira tão súbita, então recorreram à lista dos observadores de bordo. Assim que vi a oportunidade, iniciei comunicações exasperadas e constantes, imaginando estar competindo pela vaga com outras pessoas. Não estava. Eu não tinha a experiência necessária, mas era o único maluco disposto a largar de imediato tudo o que estava fazendo para ficar isolado por 75 dias. Meu dupla era o Daniel Filgueiras, este sim, bastante experiente na “carebada”. E eu fui aprendendo o trabalho com ele, na própria Ilha da Trindade, onde os únicos habitantes humanos temporários são os marinheiros e fuzileiros navais.

Para um civil, desembarcar em Trindade é sempre uma oportunidade singular. Até hoje a ilha vulcânica segue proibida de receber visitantes de maneira turística. Atualmente os profissionais ou pesquisadores acadêmicos que tenham algo a contribuir com o conhecimento sobre a ilha podem inscrever seus projetos num programa da Marinha do Brasil chamado Protrindade. E sim, foi muito bom reviver as memórias daquela época para escrever o livro.

Que se chama Psicotrópicos de Capricórnio na Ilha da Trindade (Ópera, 2024). Mas que nome grande e cheio de palavrões. Por que “psicotrópicos”?
O protagonista do meu livro é um adulto desajustado e com dependência química que se vê isolado na Ilha com vários militares. A princípio ele tem uma visão arrogante e generalista de todos, mas com o transcorrer do tempo descobre a diversidade do comportamento humano, até mesmo nas instituições militares. O que também faz um paralelo com a minha experiência real. Eu era um jovem que sabia de tudo sobre a vida, extremamente libertário, sonhador e inconformado. Na ilha eu vi com outros olhos os militares que eu tanto desprezava e aprendi a respeitar a imprevisível diversidade humana. E a temática das drogas é uma constante em toda a história, mas as principais drogas estão camufladas em uma camada secundária, mais escondida. Que são o apego ao poder, à religião, às ideologias… e à droga mais pesada que existe, que, entretanto, é aceita socialmente e legalmente: o álcool. Também foi um trocadilho com o trópico de capricórnio. Pensei que havia sido original, porém um músico chamado “Nem” já havia pensado nisso em 2002 quando assim batizou uma música que está no Spotify. A escritora Greta Benitez também já havia feito o trocadilho no poema “Anjo de Emergência”. E um blogueiro espanhol chamado Pablo J.M. Agrelo também fez esse trocadilho num post hilário em 2016. Enfim.
E como autor capixaba, você se considera valorizado? Nossa população apoia os escritores?
Eu não sei nem se me considero capixaba. Sou fluminense, nasci em Volta Redonda, no Rio de Janeiro. Vim para cá com um ano de idade. Meu pai e meus avós paternos são bolivianos. Meus avós maternos são nordestinos, da Bahia e de Pernambuco. Fiquei velho e um pouco mais conformado, mas ainda não acredito muito nessas linhas invisíveis das divisas e fronteiras. Agora, respondendo à segunda pergunta, tem sempre alguma movimentação bacana no ES. Existe um clube de leitura chamado “A Razão de Ler” que realiza eventos frequentes em parceria com livrarias, divulga e sorteia livros de autores capixabas… Essas ilhas de livros clássicos e infantis que a gente encontra pelos shoppings se multiplicam cada vez mais e também me parecem um termômetro da relação do capixaba com a leitura. Eu me sinto valorizado por aqui.

No fim das contas, você não deixa de ser um autor capixaba. E o Espírito Santo, precisa investir mais em eventos literários? A exemplo da FLIP?
Olha só, agora há pouco no mês de maio estive na Festa da Palavra, em Itaúnas. Foi um evento lindo organizado pela Elisa Lucinda, que também aconteceu em uma localidade aconchegante e histórica, trazendo grandes autores como o Itamar Vieira Jr., o Ailton Krenak e artistas famosos para as celebrações musicais. Tive a oportunidade de constar na programação de autores independentes apresentando o “Psicotrópicos” e lendo um trecho para a audiência, compartilhando a mesa com outros escritores de nosso Estado. Pude conhecer pessoalmente alguns autores capixabas que eu acompanhava à distância, como o Leonardo Zamprogno (Filhos de Tupã: A Batalha do Cricaré, 2025). E também consegui que meus livros fossem vendidos num stand do evento, esgotando meu pequeno estoque! Adicionalmente, levei a família para passear nas dunas de Itaúnas, curtir a praia e apreciar a culinária local. O comércio da vila está bem desenvolvido, porém ainda muito aconchegante, criando memórias inesquecíveis. Que coisa linda é caminhar pelas ruas sem asfalto de Itaúnas!

Nesse sentido, o Espírito Santo não está nem um pouco para trás. Imagine só o potencial que nós temos de criar, periodicamente, eventos literários que façam rodízio entre várias localidades charmosas que nós temos por aqui. Já pensou? Em um ano o evento ocorreria em Domingos Martins. Em outro, em Nova Almeida. Depois em Santa Teresa, Guriri, Pontal do Ipiranga e por aí vai. Pense nas possibilidades. Nosso Estado é uma jóia bruta ainda com muita beleza a revelar para o mundo. Temos autores incríveis, temos localidades lindas. Os ingredientes estão aí.
Livros mais recentes do escritor
Editor – Empreendedor no setor de publicações independentes e fundador do Jornal Calçadão em 1988 – agosto. Fundador do Parque Pedra da Cebola – onde com o Jornal Calçadão durante 10 anos construiu uma tese : Notícias Saudáveis transformam a sociedade doente.. Editor da Revista Municípios do Espirito Santo – 1998 a 2010 – Com 18 edições.



